quinta-feira, 31 de maio de 2012

Pierrot


Uma lágrima cai, meu amor, 
Dos olhos de contas, da cara pintada.
Uma lágrima cai, meu Pierrot,
Dos olhos de contos de fadas.
Vejo que a tragédia acabou
E que você poderia aplaudir,
Mas um artista sincero vai além
Dessa encenação de sorrir.
Uma lágrima cai, palhacinho do amor,
E não a esconde, pois chorar é lindo!
Personagem inocente, triste/alegre Pierrot,
Posso ouvir teu coração frágil partindo...
E ainda assim quero saber, como você, amar
Sem impor a reciprocidade,
Pois é na coragem de se desarmar
Que está o prazer de sentir de verdade.





quarta-feira, 30 de maio de 2012

Duplo

Tinta nos cabelos,
Batom vermelho,
Retoca a máscara ou a coragem no espelho.
Sorriso safado,
No olhar uma certeza,
As esquinas à noite são sua igreja.
Fúria real,
Vestido curto,
De um dia pro outro você teve um surto!
Cigarro na boca,
Gesto vulgar,
Com a censura alheia não vai mais se importar...
Das calças sociais
Às saias de puta,
Enfrenta e sobrevive numa cidade bruta.
Mudou de postura
E de companhias...
E como serão os seus próximos dias?




Maio







Vontade de tomar um banho gelado, e entrar de cabeça, pra expulsar os demônios junto com toda a sujeira... Vontade de escovar os dentes até limpar minha boca de todas as mentiras que a sociedade me obriga a dizer... Eu não sou o meu nome, eu não sou um número!
Está tarde e está frio, mas não se trata apenas do tempo, é algum calor que eu perdi, que todos perdem, eu disse TODOS, depois dos seus 20 anos... Está tarde, e eu não tenho vontade de acordar cedo...
Bebo um copo de água, para ver se o gosto ruim sai de minha garganta, mas esse desgosto está em tudo que eu como, em tudo que eu consumo, em tudo que eu engulo... Eu tenho sono, estou exausta, mas não consigo dormir... Aposto que se você é adulto, também sabe o que é isso.
Pego a caneta e escrevo como se eu  nunca fosse acabar, como se essas palavras pudessem ser um vômito... Cada palavra é uma tempestade que se anuncia. Eu sou mais um sem paciência, mais um desconfiado, mais um que é meio arrogante, que não consegue deixar de achar que é ou de querer ser especial. E como se fosse um dilúvio, esse mês sempre atravessa carregado; estamos trancados no meio do ano, vendo as promessas do início quebrarem...
Estou viajando, estou sempre viajando... O problema é velho e você também conhece: estamos sempre querendo coisas demais! Hoje eu quero coragem, alegria, determinação, amor... Estou querendo até que desabe uma guerra! Algo que exploda, que arrebate! Mas o que é novidade nisso que eu falei?
Ando querendo coisas demais, ando viajando demais, e não tenho vontade de acordar tão cedo. No mais, o sofrimento é a melhor matéria prima. E a solidão não é tão solidão, quando percebemos que, de certa forma, dividimos ela com todo o mundo.




quarta-feira, 23 de maio de 2012

Sem Direção


Meu cão me olha como se entendesse,
Você aconselha como se fosse deus.
Você fala como se na vida não se pudesse ter tudo.


Mas sabe? Um dia eu vou a San Francisco
E pisar onde pisou a Janis,
Like a rolling stone...
Um dia eu vou perder o medo
Eu vou achar as rédeas da liberdade,
Como num show de rock...
Preciso gritar!
É você que diz ter forças...


Oh não, 
Eu não poderia escrever um livro,
Eu não saberia concluí-lo jamais!
On the road,
Pés descalsos,
Cansada
E com toda fome do mundo.


Será que só me sobrará a música? E os meus gritos, é claro...
Quando eu estiver só, e ainda tiver coragem de gritar...
Ouço outros gritos, ouço falar de vitórias, 
Torço por derrotados, tenho a filosofia de vida dos amorais,
Me sinto inútil como um papel riscado, amassado,
Na lata de lixo.
Não poderia ser mais triste?
Poderia...


Mas sabe? Eu me sinto livre,
Como uma folha que cai, como uma pedra que rola...


quinta-feira, 17 de maio de 2012

Depravados

Corrompa-me!
Engula-me logo de uma vez...
Faça aquilo que pode levar-me ao céu e ao inferno...

Sugando meu sangue com os lábios,
Arranhando meu juízo com as unhas,
Assinando em meu corpo com a língua...

Depois disso, vá embora tranquilo,
Me deixando uma marca tatuada
E a alma para sempre corrompida.






Embriagada




Cigarros, suspiros, almas,
A alma dos becos,
A febre sem cura,
Ela tem que se render!
Suspiros, cafés bizarros,
Isqueiros no meio do palco,
Isqueiros no meio da vida
Incendiando a cidade.
Único fogo no frio e na chuva,
Única gota de mel e orvalho.
Sentimos fome e satisfação,
Setimos frio e fogo,
Vontade de tomar uma bebida quente
E de deixar o mundo vazar
Sem nem pensar em segurar as pontas.
Vivendo com a alma dos becos,
Rock, carros, chuva rala,
Suspiros, deliros, jaquetas, armas...
Vai no bar dos ladrões e é um deles,
Seus truques, vícios e confusões também são dela,
Sob os rastros secretos da lua,
Andando nas ruas
Realiza seu sonho de ser um cara embriagado,
Emancipado pelo pecado
No beco dos santos ladrões.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Burgueses

Há uma margem estranha no rio dos meus pensamentos,
Algo melódico, melancólico, bucólico pressentimento...
Borboletas cinzas de ferro nos ônibus;
Borboletas leves, levianas, amarelas no ar;
Ar condicionado nos prédios;
Ar sem mais condições cá fora.
Amanhã, o passado será este agora, 
Qualquer borboleta supõe a passagem como um fato, 
De concreto só sei do que é abstrato.
Admiro quando miro aquele corpo bem desenhado
E se desejar fosse um pecado,
Este calor seria o inferno,
Mas castigo algum pode ser eterno.
Por tudo, serei uma boa menina,
Irei desarmar meu coração
E entregá-lo aos pedaços nas mãos
D'um estúpido burguês,
Merecendo assim, talvez,
O amor pungente dos loucos poetas
Ao vislumbre do pôr-do-sol  na praia fria,
Tão rico e dourado quanto os "anos de ouro",
Tão infantil e fugaz quanto as horas do dia.


A Mulher e o Mar

"Aí estava o mar, a mais ininteligível das criaturas não-humanas. E ali estava a mulher, de pé, o mais ininteligível dos seres vivos. Como o ser humano fizera um dia uma pergunta sobre si mesmo, tornara-se o mais ininteligível dos seres onde circulava sangue. Ela e o mar.
Só poderia haver um encontro de seus mistérios se um se entregasse ao outro: a entrega de dois mundos incognoscíveis feita com a confiança com que se entregariam duas compreensões. [...]
Com a concha das mãos e com a altivez dos que nunca darão explicação nem a eles mesmos: com a concha das mãos cheia de água, bebe-a em goles grandes, bons para a saúde de um corpo. 
E era isso o que estava lhe faltando: o mar por dentro como o líquido espesso de um homem. [...]
Não está caminhando sobre as águas _ ah nunca faria isso depois que há milênios já haviam andado sobre as águas _ mas ninguém lhe tira isso: caminhar dentro das águas."


-- Trechos d'O Livro dos Prazeres, de Clarice Lispector.





Gume

Quando atravesso às horas tentando escapar de mim, sou habitante daquele velho lugar... 
Os estúpidos esperam ser importantes, e eu espero ser logo corrompida, já que herdei tanta incompetência.
Os segundos passam com dificuldade; não sei escandalizar.
Sei que um dia acabarei com a vida antes do fim.
Aquele deus deixa crianças como nós morrerem de fome, e eu não creio neste tipo de amor.
Tudo o que eu sinto é tanto desprezo...
Ainda desejam que eu mostre os dentes como se fosse um cavalo, pronto para ser comprado. Mas me sinto um porco, pronto para ser abatido!
Meu sentimento é humano como um revólver, e é um instinto homicida, suicida.
"Tic" nervoso com a caneta, o assombro de si para si, o medo do espelho... Penso com amor apenas nas pessoas sôfregas, nas que matam ou morrem, que choram desesperadamente ou que são apedrejadas. Quero ser uma delas, pois estas que morrem de verdade e sabem o que é viver.
Do outro lado está minha repugnância por essas pessoas tão felizes, que apenas ostentam fantasias. Elas não sentem dor e isso é estranho. Quero cortar-lhes as gargantas.
Tenho fascínio pela alucinação, porque dela saem verdades, o mel e o fel de uma pessoa. Revela que somos corpos sem alma  e que somos cruéis.
Desejo ser um louco, um corpo de lama e nada mais. Quero ser ruim como sei que tenho potencial.
Meu sentimento é humano como um revólver.



"Mas o não-ser não pode aceitar o mal, quer dizer, os do governo, os juízes e os colégios não podem permitir o mal porque não podem permitir a individualidade. E não é a nossa História Moderna, meus irmãos, a história de bravas individualidades malenques lutando contra essas máquinas enormes? Quanto a isso, meus irmãos, eu estou falando com toda a seriedade. Mas o que faço, faço porque gosto."


"Quero que vocês todos se danem, seus putos, se vocês estão do lado do bem, então eu fico muito contente de estar do outro lado."


-- Trechos do livro A Laranja Mecânica, de Anthony Burgess.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Problema?

Não. Amar é a solução. Basta olhar em volta...

domingo, 6 de maio de 2012

Inutilidades

A minha mão nada segura,
Porque nada é seguro.
Na palma da minha mão
Existe um estranho furo.
Não posso curar o caos,
O mal do século do mal
No qual já aprendemos a sobreviver...
E afinal, ao que mais iremos nos submeter
Quando a nossa ironia não for o suficiente
Para anestesiar toda a confusão
Que existe fora e dentro da gente?
A minha mão tem um furo
Que parece me tornar diferente,
Mas não verá nenhum futuro
Quem ler a sorte em minha mão,
É apenas um buraco corroído por indignação
De mãos vazias que não tapam buracos.
Não quero ser mais um desses fracos
Que acham no sonho a fuga perfeita,
Mas espero que a verdade seja dita e feita:
Não irei fugir de mim que sou meu melhor lugar!
A minha mão tem um furo,
Mas quem vai se importar?
Isso não me torna mesmo diferente,
Porque não sei curar esse mundo doente.
E de que adianta saber correr e ficar parado?
E quando você quiser saber, não valerá mais a pena,
Porque quando notar, o filme já terá terminado
Na desastrosa explosão do glorioso cinema.







sábado, 5 de maio de 2012

Tão Longe

E neste deserto
                         Você é uma maldita miragem,
Que eu persigo
Sem a menor esperança de alcançar...

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Satisfação

"Instantes despidos daquilo que faltava. Algo que necessitávamos e não íamos procurar. Ficávamos na expectativa de que acontecesse. Havia uma falta. Não somente dentro do tempo. Porém um vazio real, concreto. Lancinante."




"Viver dentro de uma realidade é um fato. Aceitar, achar que tal realidade é boa, é outra história. Nunca pensou que a vida pode ser diferente?"


-- Trechos do livro Não Verás País Nenhum, de Ignácio de Loyola Brandão.
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Acontecimentos

"Como os acontecimentos insignificantes tomam vulto, perturbam a gente! Vamos andando sem nada ver. O mundo é empastado e nevoento. Súbito uma coisa entre mil nos desperta a atenção e nos acompanha."


-- Angústia, de Graciliano Ramos.