sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Uivo - Allen Ginsberg


Eu vi os expoentes da minha geração, destruídos pela loucura, 
    morrendo de fome, histéricos, nus, 
arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada
    em busca de uma dose violenta de qualquer coisa,
    hipsters com cabeça de anjo 
ansiando pelo antigo contato celestial 
    com o dínamo estrelado da maquinaria da noite,
[...]

morreram ou
    flagelaram seus torsos noite após noite 
com som, sonhos, com drogas, com pesadelos na vigília,
    álcool e caralhos em intermináveis orgias,
incomparáveis ruas cegas sem saída...
[...]
tagarelando, berrando, vomitando, sussurrando fatos
    e lembranças e anedotas e viagens visuais e choques
    nos hospitais e prisões e guerras,
intelectos inteiros regurgitados em recordação total 
    com os olhos brilhando por sete dias e noites,
[...]
no impulso da chuva de inverno na luz das ruas
    da cidade pequena à meia-noite,
[...]
que caminharam a noite toda com os sapatos cheios
    de sangue pelo cais coberto por montões de 
    neve, esperando que uma porta se abrisse,
[...]
que criaram grandes dramas suicidas nos penhascos
    de apartamentos [...] à luz azul de holofote
    antiaéreo da luta 
e suas cabeças receberão coroas de louro no esquecimento,
[...]
que rabiscaram a noite toda deitando e rolando sobre
    invocações sublimes que ao amanhecer amarelado
    revelaram-se versos de tagarelice sem sentido
[...]
jogaram seus relógios do telhado fazendo seu
    lance de aposta pela Eternidade fora do Tempo 
    e despertadores caíram em suas cabeças por
    todos os dias da década seguinte...

que cortaram seus pulsos sem resultado três vezes
    seguidas...
[...]
enquanto você não estiver a salvo eu não
    estarei a salvo e agora você está inteiramente
    mergulhado no caldo animal total do tempo
[...]
para recriar a sintaxe e a medida da pobre prosa 
    humana. 

e ficaram parados à sua frente, mudos e
    inteligentes e trêmulos de vergonha, rejeitados
    todavia expondo a alma para conformar-se ao
    ritmo do pensamento em sua cabeça nua e infinita,

o vagabundo louco e Beat angelical no Tempo, 
    desconhecido mas mesmo assim deixando aqui 
    o que houver para ser dito no tempo após a morte,

e se reergueram reencarnados na roupagem 
    fantasmagórica do jazz no espectro de trompa
    dourada da banda musical e fizeram soar o 
    sofrimento da mente nua da América pelo 
    amor num grito de saxofone [...] que fez com que as cidades tremessem
    até seu último rádio,
com o coração absoluto do poema da vida arrancado
    de seus corpos bom para comer por mais mil anos.


II

Que esfinge de cimento e alumínio arrombou seus
   crânios e devorou seus cérebros e imaginação?
[...]
Mentes! Amores novos! Geração louca! Jogados
   nos rochedos do Tempo!
[...]


III

Eu estou com você em Rockland
   onde você está mais louco do que eu
Eu estou com você em Rockland
   onde você deve sentir-se muito estranho
[...]
Eu estou com você em Rockland
   onde você ri desse humor invisível
Eu estou com você em Rockland
   onde somos grandes escritores na mesma
   abominável máquina de escrever
[...]
Eu estou com você em Rockland
   onde as faculdades do crânio não agüentam 
    mais os vermes dos sentidos
[...]
Eu estou com você em Rockland
   onde você grita de dentro de uma camisa de
   força que está perdendo o verdadeiro jogo
   de pingue-pongue do abismo
Eu estou com você em Rockland
   onde você martela o piano catatônico a alma
   é inocente e imortal e nunca poderia morrer 
   impiamente num hospício armado,
[...]
Ó vitória, esquece tua roupa
   de baixo, estamos livres!
Eu estou com você em Rockland
   nos meus sonhos você caminha gotejante de volta
   de uma viagem marítima pela grande rodovia que
   atravessa a América em lágrimas até a porta do
   meu chalé dentro da Noite Ocidental.

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